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27.3.04

petite amie

jonas é músico. maria, sua namorada,
presenteia-lhe sempre com um vinho
chileno em seus encontros dominicais,
quando bebem e fazem sexo. depois
da cama, maria começa a cantarolar
uma música que ouviu na fm. ele, de
olhos fechados, e abraçado a ela,
deseja estar num barril de madeira em
alto mar.

jonas é taxista. aos sábados, acorda
cedo e passa na casa de sofia, sua
namorada, para levá-la às compras.
no caminho, ela sempre pede mais
atenção com o trânsito; questiona o
trajeto, considera a má qualidade do
asfalto e um enorme engarrafamento
alguns quarteirões à frente. ainda com
sono, ele concorda, beija-lhe e liga o
rádio.

jonas é pintor. mirtes, a namorada,
faz-lhe rabiscos em guardanapos. sempre
desenha corações trespassados por
flechas de índio, ou flores num jarro, que
entende serem uma natureza morta. jonas
os recebe com um sorriso incompleto e
ensaia elogios. sozinho, guarda-os numa
caixa, pois fica constrangido em jogá-los
ao lixo.

jonas é escritor. recebe de ana, sua
namorada, poemas e quadrinhas. ana,
hoje, escreveu uma crônica esportiva. ele
pede para que ela lhe leia em voz alta,
enquanto pensa num jeito de dissuadi-la
da produção "literal" e alisa sua face,
fingindo acompanhá-la.

jonas é arquiteto. diana, namorada sua,
fala-lhe da casa em que morarão quando,
enfim, casarem-se. divide os ambientes,
põe e tira colchões coloridos no quarto de
casal. jonas sempre a abraça e pergunta
se ela quer ter cachorros, se quer ter filhos
ou se quer viajar, ao que ouve "você sabe
que eu adoro yorkshires" etc.

jonas nada faz. tem várias namoradas e
passa o tempo a criar hábeis rotas que
desviem de tudo quanto o cansa nas
mulheres que ama.

25.3.04

ab imo pectore

entenda,
não se trata de insegurança; é respeito.
não se trata de velhice; é pesar.
não se trata de desdém; é abstração.
não se trata de antipatia; é segredo!
segredo é assim.

--

não tive culpa alguma: meu carro estava
estacionado. bateram. destruíram. tive
de desembolsar uma boa grana e só
depois de 55 dias o recebi da oficina.
meu carro nunca mais será o mesmo.

18.3.04

l'expérience vient de l'observation

o ritual é longo e demorado, mas tem
começo e tem fim. se hoje é feito com
tanto esmero e precisão, é fruto do tempo.
se ainda resta prazer, é coisa da gente.

atenção, acompanhemos o começar:

o senhor toma a garrafa em suas mãos,
limpa alguma poeira sobre o rótulo,
certifica-se do que ali está escrito.
em um balde com gelo, deposita tal
garrafa, ao que observa, mantendo
distância, o conjunto. afasta-se,
olhando o relógio no pulso.

quase meia hora depois, vemos o mesmo
senhor retornar com um pano, sobre o
qual coloca o vítreo continente, enxugando
o que seria suor, fosse a garrafa um
corredor em fim de maratona.

puxa do bolso um saca-rolhas. com alguma
dificuldade, trespassa a cortiça e num
golpe desajeitado, liberta o gênio da
garrafa, que não lhe concede desejos e
que logo some.

em um copo largo, de boca estreita, põe
rasa quantidade do vinho. chegamos ao
meio do caminho.

--

o senhor, agora, enfia o nariz no copo.
"respire e prenda", anuvia-se. "mais uma
vez". e pára, para expirar e contemplar
o conteúdo do que tem em mãos.

o álcool inalado adentra seu corpo e seu
sangue, e, se fosse suficiente para tanto,
o senhor entregar-se-ia à sensação de
que segura um coração, ainda vivo e
batendo, e lembraria que o sangue das
uvas é púrpura também.

mas não se trata disso, agora, ele tem o
pensamento muito bem fixado. queda-se
observando os tons do vinho. roda a taça
como se quisesse verter o conteúdo,
identifica todos os gradientes da cor
vermelha.

o que nos parece final, mas é preliminar,
é a forma como deixa cair em sua boca
aquele pouco vinho que havia no copo.
sem engolir, cerra os lábios e faz um
movimento estranho com a língua, evitando
os dentes e o palato.

engole com certa dificuldade e certifica-se,
com o pano úmido, de que não restou
vestígio da operação em seus lábios.

--

o tempo sopra leve a nuca do senhor. a
noite já vem se instalando sobre a cidade,
e ele se retira do aposento onde estava,
esquecendo sobre a mesa, ao lado do
balde gelado, apenas o pano.

na varanda que vemos agora, o mesmo
senhor balança em uma rede. no chão,
a garrafa, um par de sandálias e algumas
folhas secas, caídas ontem pelo jardim,
mas que o vento fez questão de pôr ali,
a salvo do sereno.

em um par de horas, a garrafa estará
vazia. e o senhor se encontrará dormindo.
no silêncio em que vive, essas noites
parecem longas; e as horas, intermináveis.
mas, para tal senhor, ainda há graça em
fazer esticar o tempo. pôr em suspensão
aquelas folhas que caem e mesmo a
melindrosa brisa. registrar, na retina, a
posição de tudo antes que, sob a
pálpebra, ela se sconda.

--

depois do muro, há dois garotos, cujas
idades, se somarmos e duplicarmos, talvez
chegue à do vizinho dorminhoco. os
meninos, imersos noutra solidão, também
tomam vinho: já estão terminando o
segundo garrafão. há uma mancha de
vinho no chão, outra na camisa de um
dos rapazinhos. a essa altura, seus nomes
poderiam ser euforia & verborragia.

--

a apreciação da música, a meu ver, também
segue esses nortes. de um lado, queremos
ouvir; de outro, querem dançar. aqui,
queremos entender; lá, querem vestir.

dizer que os três sujeitos mencionados gostam
de vinho é super-simplificar a realidade.

pensar que os fabricantes de vinho têm, todos,
os mesmos escrúpulos é ingênuo.

impedir que o bom vinho seja degustado por
um sujeito sem paladar é cruel.

não se pode, é bem verdade, dizer que os
vizinhos mirins estão errados. não cabe
censura ao que fazem, mas nos é preciso
observar e diferençar.

--

eu tô parecendo jesus cristo, falando as
coisas por parábolas. ah, quero ver o filme
que o mel gibson produziu. aliás, com um
sobrenome desses, nunca achei que não
houve competência ali.

--

o ritual é longo e demorado, mas tem
começo e tem fim. se hoje é feito com
tanto esmero e precisão, é fruto do tempo.
se ainda resta prazer, é coisa da gente.

14.3.04

de como funcionam as papilas gustativas

eu posso, e você pode, mas marcelino não
podia comer azeitonas. ou, na verdade,
podia, malgrado a saúde fraca. mas não
podia mesmo. era um menino pobre e,
quando essas especiarias lá chegaram,
em compotas de vidro e tudo o mais, o
dinheiro minguado não lhe dava esse luxo.

ocorre que o fortuito também faz as suas
e, certa feita, foi marcelino convidado a
acompanhar um amigo mais velho em uma
visita social. "na casa do chefe", coisa
fina. ora, convite aceito, em algum tempo,
estava o menino, muito bem portado,
escutando a conversa dos dois amigos.
esses aí eram patrão e empregado, mas
eram amigos.

lá pelas tantas, como ditava o costume do
lugar e do tempo, foi-lhes servido algum
suco e tira-gostos. aparece aí algo que ele
desconhecia: a azeitona. muito bem, até
que enfim o destino trazia a marcelino a
oportunidade de conhecer o sabor de algo
novo, algo nobre e até então estranho. e
não era o suco. não era o queijo em cubos
e nem era o copo colorido. não que
marcelino, ali, no auge dos 12 anos, tivesse
passado a vida a sonhar com as tais.
reconheçamos, contudo, que o guri ficou
ouriçado. e sempre mais, posto que não se
atreveria a comer assim, na frente do chefe,
a fina guloseima. a cada mão que pegava a
comida, a cada caroço posto à parte, seus
olhos seguiam atentos e algo mexia em
suas entranhas.

para mim não, tampouco para você, mas a
vergonha e a ânsia eram tantas, que não
foi senão quando o anfitrião se retirou
por um instante, deixando sós os rapazes,
que marcelino, até aquele momento,
observador e ouvinte de primeira grandeza,
aventurou-se no pires de azeitonas. com
a boca cheia d'água, não mordeu apenas um
pedaço, mas atirou-a boca a dentro, nem
mastigando direito e já cuspindo fora, na
mão mesmo, o fruto tão amargo. um baita
azar, vejam. só podia ter pegue um
exemplar estragado!

a natureza, acreditou logo, pregara-lhe uma
peça, mas o homem, ele próprio, superior
enfim, faria o acerto de contas. com novo
fôlego, e ainda antes que o patrão
retornasse e o visse assim, porta estandarte
da vergonha, desconhecedor de um fruto
besta, marcelino, assim mesmo, de uma vez,
empreendeu o segundo ataque. mão ao pires,
boca aberta, azeitona pra dentro. e percebeu.

--

assim é que no mundo as coisas se revelam
para nós. para mim e para você. o gosto, esse
que uns proclamam & vestem, é, enfim, mais
que uma opinião, uma postura ou simples
escolha. nasce de uma vontade e morre de
um des-gosto.

as azeitonas tinham, e têm mesmo, esse sabor.
para gostar delas é preciso fazer marcelino
crescer e aprender, viver e aprender,
experimentar e aprender.

--

esse blog não é um receptáculo dos meus
escritos, aliás, não escrevo com freqüência.
daqui em diante, amenidades. e comparações.
e impressões. e lugares comuns, que eu
também sou filho de deus.

a stória é real, quase.

11.3.04

talvez nem devesse ser assim, mas, se
a gente poda uma árvore e, da janela
do quarto, passa a ver uma ponta do
céu por entre a folhagem, um vento de
infância entra pelas narinas.

talvez seja por causa da luz, tanto mais
num dia em que, no mês de nuvens
carregadas, o sol as expulsa.

talvez seja apenas o novo constraste
entre o azul claro e o verde.

ou, talvez ainda, saudade, por assim
dizer, de uma ponta de céu, que era
desdenhada antes de a árvore crescer.

10.3.04

o primeiro post do blog. agora, espero
acontecer algo. por enquanto, só há o
invasões bárbaras: le sense de la vie,
c'est ce qu'il faut trouver. isso foi hoje.

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